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sábado, 8 de agosto de 2015

O percurso de uma noite sem lua

Acendi mais um cigarro
Atravessei a ponte
O Sena já dormia profundamente
Escondendo no seu lôdo
O desespero dos seus suicidas.

Parei por alguns instantes
em frente ao Hôtel de Ville
Observei bem todo aquele monumento
Admirei o efeito das luzes
E prossegui a caminhada.

Pisei o calcário da Rue de Rivoli
E como um intruso
percorri-a bem devagar.

Flanei por outras ruas
E reduzi o passo na Saint-Denis
Caminhava lentamente
Dava passos calculados
Como se a deflorasse cuidadosamente
com o meu andar
Para mim, aquela era a primeira vez.

Desfilava por ali
Escoltado de perto
Pelos luminosos indiscretos
dos porno-shops.

Mais adiante
Algumas e certas mulheres
Negociavam com a fisiologia
e expunham audaciosamente seus corpos.

O prazer custava trezentos francos
e a AIDS era de graça.
Et alors, tu viens?

Nas calçadas 
Erguia-se um exótico santuário de putas
que abria as suas portas
que abria as suas pernas
para os inveterados adoradores do escuro.
On y va?

Entrei no Hard-Sex
e senti-me perdido
no meio daquela densa floresta sexual
Os pênis eram árvores robustas
e as vaginas suas raízes profundas.

Caí em algum buraco
daquela geografia do desejo
e fiquei sujo com a poeira da minha solidão.

Continuei na Saint-Denis
As esplanadas dos Cafés estavam repletas
Os casais trocavam beijos e carícias
entre goles de panaché.
Senti inveja e reconheci
que naquele comboio de boêmios
eu era um dos clandestinos.

Para disfarçar
Tomei um café
O café custava dez francos
e angústia era brinde da casa.

Fui parar numa praça qualquer
sentei-me no banco
para esperar a luz do sol
e assistir às exéquias da noite.

Quando o sol ameaçava abandonar
o útero do infinito
para viver entre nós
Resolvi voltar.

Acendi o último cigarro
Atravessei a ponte
O Sena já estava bem desperto
preparando o seu leito
para receber o primeiro Bâteau Mouche
Alisando o seu lôdo
para acolher o próximo desesperado. 

Paris, 12 de Janeiro de 1988

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