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sábado, 31 de outubro de 2015

Complexo e com nexo


Eu que te amei anticonstitucionalíssimamente
Consumi-me ensandecido no estro evanescente
De uma faúlha de amor mal fadado.

De olhos postos na frincha melíflua
de uma possível quimera
Jugulei-me demente
na molúria triste da madrugada

Absorto no menálio imorredouro
da paisagem nílica
Embriagado pelo nimbo fugaz do céu
Pelo néctar perpétuo de tuas melenas
Esqueci-me talvez de sentir
a dança do aroma
das magnólias que padeciam 
na ervagem radiante

Quando já não restava nada
Ou quando brilhava tudo
Menos a futilidade já muito gasta
de uma frase muito pouco erudita:
Eu te amo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Poema da eternidade


Poema da eternidade
Moro num corpo que não é meu
Alugo o tempo, as tripas e o coração
Defeco, amo e odeio
Esta é a minha condição.

Vivo num espaço que não é meu
E às vezes, eu sou ateu
E quase sempre sou de ninguém.
Mas afinal quem sou eu?
Eu que me observo e não sou eu
Eu, habitante de um corpo que não é meu
Nada é meu.

Nem o devaneio que acabei de fabricar
com as sombras e o breu da noite
Nem é meu este resto de sol
E nem é meu o brilho do olhar da mulher
que me escolheu
Muito menos o zumbido das moscas
que sonorizam estas tardes de verão.

Moro num corpo que não é meu
Morro num corpo que não é meu

E qualquer dia
Depois de amanhã(se amanhã houver)
O corpo é teu
O corpo é teu
Ó terra profunda e maldita
que dás a vida e hospedas a morte
O corpo é teu
Ó terra traidora e bendita
O corpo é teu.

E quando eu for o adubo da terra
Viverei para sempre
Nos sulcos das folhas
Na seiva dos caules
No perfume e no sangue das rosas.

Eu serei da terra
Eu serei a terra
Estarei vivo
Nas avalanches
Nos terremotos
Nos vulcões
e nos maremotos.

A Eternidade não transcende a terra
Deus não mora no céu
E as estrelas que cintilam lá no alto
não são para mim.

A Eternidade
Tem a idade da terra
A Eternidade é a terra
A terra é eterna.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Espaços e vazios


Falta-me uma réstia de sol
Uns metros de chão
E um pouco de mim

Falta-me engatinhar
Brincar com a terra
E não saber falar

Falta-me uma choupana
Quatro panelas
E alguns trapos gastos

Falta-me um inverno
Uma lareira
E o respirar dos gatos

Faltam-me cinco dedos
Uma mão
E um empurrão

Faltam-me dois lábios
Um par de olhos 
E um coração 

Falta-me uma praia
Uma imensidão de areia
E dois pés descalços

Falta-me um domingo
Dois copos
E um vinho bom

Falta-me uma noite
Um violino
Um amor
E um infinito.

sábado, 10 de outubro de 2015

Férias no inferno


Aceito e assisto nesta noite
que não quero que tenha fim
à germinação 
e ao nascer dos frutos
de uma antiga solidão

Fecundou-a o silêncio e a penumbra
de uma certa atmosfera
repleta de nada e de coisa nenhuma

Caminho pelas ruas íngremes 
da meia-noite 
Desço a ladeira desta noite inteira
calçada com os cristais
da minha pele toda

Recolho o vácuo
Encho o meu cesto de rendições
e acaricio sem querer
os filhos e os frutos
desta velha solidão
que agora é mãe e árvore
e sempre foi minha ancestral

E amanhã
arderão os filhos e os frutos
sob o fogo do sol
Se a manhã quiser.

Na Jugular Literatura

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Humana condição


Acordar
Saudar o dia
com um café pontual
Rever a rua
e planejar a caminhada

Beber o leite
e sofrer por antecipação
Comer o pão
e sonhar mais uma vez

Sonhar que o mundo é meu
Sonhar que me achei
numa manhã de setembro
Sonhar com olhos pacíficos
pousados no meu ombro
Sonhar que me vi dançando sobre o arco-íris
mascando chiclete e falando inglês:
I'm so happy! I'm so happy!

Sonhar contigo
Sonhar comigo
chegando ao entardecer
de mãos dadas com o último raio de sol.