.

.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Espasmo

E aqui estou
Inquilino da morte
Nesta noite sem lua
Nesta ampliação do nada
Colecionando medos
E matando estes sonhos
vagabundos
Parasitas da minha angústia

Procuram-me a esta hora da noite
Estas perspectivas 
despidas de esperança
No vácuo histérico do meu tórax
Adormece uma alma doente
e poluída

Eu sei que mereço muito mais
Mas a sorte que me cuspiu 
no rosto
Só me deu letras e palavras. 


Poema© :JoaquimESTEVES

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Demissão

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo

Fiquem com as filas dos bancos
As buzinas dos carros
A estupidez dos passantes
A pressa dos perdidos
O alarido dos tontos
A violência tranquila

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo

Fiquem com a indiferença 
dos vizinhos
A ganância dos banqueiros
A podridão das almas
A loucura dos normais 
O trabalho compulsivo
A proibição do grito
O progresso inútil
A coerção dos espíritos
A multidão histérica

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo

Fiquem com a democracia
arbitrária
Os direitos feridos 
O sadismo dos burocratas 
Os crimes dos políticos
As cabeças doentes
A falta de sentido
O absurdo inchado
A injustiça feroz
As cartas marcadas
As alegrias compradas
O dinheiro psicopata
A fome dos inocentes 
E a morte dos puros

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo
Fiquem com esse zoológico 
de ilusões
Esse faz-de-conta viciante
Fiquem com o circo do poder
E o horror de quem manda
Fiquem com tudo
Com os clitóris amputados
Com os homens-bomba 
Com as bombas dos homens
Fiquem com a beleza que engana
E o prazer que escraviza
Com o hálito dos desesperados
E o sorriso dos falsos

Só vou sentir saudades
Do ritmo das manhãs
Da autoridade do sol
Do cheiro do café
E dos acenos da esperança.

Poema© :JoaquimESTEVES

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Chão

Passeio os meus sonhos
Numa rua deserta
Sofro com o sopro do vento
Eu sou em carne viva
Eu sou uma chaga aberta
E usufruo a plenitude
de uma ferida inteira

Tenho receio das fêmeas
E do barulho
Desconfio das festas
E da primavera

Agito-me e repouso
no solo 
do meu próprio peito.  

Poema© :JoaquimESTEVES

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Manhãs cariocas

O sol pariu o primeiro raio
Estou cego
por haver tanta luz

Hoje é tarde
Prossigo impulsionado
pelo calor dos bueiros
e pelo sopro das galerias

Sou uma composição química
e moro
nos subúrbios remotos do paraíso

Hoje é tarde
É dia de extirpar o coração 
e viver apesar dele

Estou aquém e além dos outros
e não me seduzem mais
as conclusões da plebe

Sedimento os meus sentimentos 
e quero tudo

E quem sabe
amanhã de manhãzinha
aguarda-me o estranho silêncio
da minha execução. 

Poema© :JoaquimESTEVES