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sábado, 12 de novembro de 2016

Poema da modernidade


Estou pensando
Em chamar a polícia
Há seres bizarros no horizonte


Humanos de orelhas alargadas
Corpos rabiscados

E tocando em luzes que surgem das mãos

Eles não me veem
Mas eu os vejo
Digo bom dia
E ninguém responde
Onde estão os meus semelhantes?

Dizem que todos fugiram 

para uma tal de internet
Internet?

Pelo que sei
Lá não há ninguém
Como é viver num lugar 

em que não há ninguém?

Acho que a Internet 

é uma espécie de ilha deserta

Nessa tal de Internet
Adoram-se vários deuses:
Google, Microsoft, 

Facebook e um certo Watsapp

Consta que há muitos fanáticos

e o deleite dos fundamentalistas 
é dizer que são felizes
E não são
Grassa  nessa Internet 

uma tal de depressão

Soube que os habitantes da Internet

podem ter até 3.000 amigos 
e continuam sós
Apenas suspeitam da existência
do outro

Por lá, 

a amizade é uma alucinada quimera

Todos adoram esta nova forma se ser louco
E ai de quem os chame de doidos!

Fora da ilha
As coisas não são menos estranhas
As palavras são arrancadas da minha boca
Não posso mais dispor das palavras
Existem palavras corretas para tudo
Faço frases com a hipocrisia que não possuo
Caso contrário é o terror de Robespierre ressurecto


Confundem o meu sexo com o que eles chamam de gênero
É muito complicado
Ainda não consegui entender
O que é esse novo órgão genital chamado gênero
Sinto que os fascistas ainda não morreram
Agora eles se chamam neoliberais e democratas


Há um ar comportado 

que fede mais que camião de lixo

Há também a homo-vingança, a gineco-desforra, o desagravo dos deficientes e o revide dos negros

Querem fazer justiça com os olhos sujos de ódio

Respiro uma paz cínica

Desaba sobre mim uma atmosfera falida
E me assusto com todos esses olhos que me espiam


Todos me mostram as suas intimidades
E eu não as quero ver
Mas agora é obrigatório penetrar o falso segredo dos narcisistas
E os egos?
Os egos precisam de cirurgia bariátrica
Quem não tiver o ego obeso e doente não é mais um cidadão decente


Para esse pessoal da alma gorda,

existe a elegância da chamada auto-estima

Estou no limite do entendimento
Crianças me dão lições de moral
E os efebos já conseguiram atingir toda a sabedoria
O que faço da minha história?
Não adiantou nada percorrer todas essas décadas
Por milagre tudo que há de bom no mundo brota da tecnologia


Todos ficaram impecáveis neste fotoshop existencial
E nem ouso falar de farsa
Porque o farsante agora sou eu
Eu que com o desembaraço dos que pensam com regularidade
Resolvi denunciar o passo bêbado da boiada 

e que por isso vivo a agonia e o ápice de uma solidão absoluta.

sábado, 22 de outubro de 2016

Poema perdido


Não cabe mais na minha história
a glória de poder chorar

Não há registro na minha memória
de tréguas e cessar-fogo

Não há lugar nos meus olhos abertos
para cílios postiços 

Nem entram mais no meu palco
makeups e  falas decoradas

Não há mais portas no meu coração
para visitas inesperadas

E de que me serve o dom 
de adestrar as palavras
Se nesta esfera nada se altera
Se nesta era o que impera
é a besta fera.

domingo, 9 de outubro de 2016

Resíduos do abstrato

 Os rastros da musa
Agora que já não sei o que quero
Não quero o que já sei
 
Confuso
Intruso
Excluso
Trapo-luso 

É tudo com Ch
Chuva
Choro
Cheiro
Chão
e Chibata 

E certo dia
Depois que devorei a flor
Ficou-me um gosto de flor
No corpo e na memória.

sábado, 24 de setembro de 2016

Arauto irresoluto

Não sei o que faço

Nâo sei se escrevo mais um poema
Ou se rasgo os que já fiz

Não sei se bebo mais um trago
Ou se quebro todos os copos

Não sei

Não sei se cedo às evidências
Ou se me vacino contra as esperanças

Não sei se aceito a neblina da noite
Ou se desafio a escuridão

Não sei se devo voltar atrás
Ou se me deixo definitivamente em paz

Não sei

Não sei se procuro a cara metade
Ou se vivo pela metade

Não sei se me submeto a mais um sorriso
Ou se consinto mais uma lágrima. 

Não sei

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A emoção em verso e prosa

 A EMOÇÃO EM VERSO

Emoção é oferecer a cara ao vento
É aprender a andar de moto
É saber aproveitar o momento
É sobreviver ao terremoto 

É esperar o amor que não vem
É relembrar uma noite que passou
É procurar um amigo que não se tem
É poder receber um amor que chegou

Emoção é ver nascer o filho
É ver morrer o pai
É ver florescer os campos de milho
É conhecer Shangai

É o primeiro beijo na boca
É o último olhar sobre a terra natal
É morrer e achar que a vida não foi pôca
É conseguir ir ao cinema com aquela 
mulher fatal 

Emoção é esperar a noiva no altar
É pedir o divórcio
É temer o abismo e saltar
É fazer um belo negócio 

É sentir-se só em Paris
É ser ferido por um raio de sol
É pensar no que não fiz
É gozar num certo e imaculado lençol

Emoção é estar no mundo
É lutar e não achar a solução
É não ter medo de ir bem fundo
É acreditar que viver ainda poder ser
a melhor emoção.
         E PROSA
A emoção é a vibração de um espírito em movimento. É a viagem diária da sensibilidade pelos corredores do âmago. É o resultado de uma sociedade sólida e indestrutível  entre o coração e os cinco sentidos. É o primado da pele sobre o princípio da racionalização.
A emoção é o descuido da razão ou uma bebida muito forte temperada com minúsculas doses de razão. É a resposta dos nervos às propostas do mundo exterior. É o mimetismo da alma; são as várias cores que a alma pode assumir ao tocar os acontecimentos. Emoção é a hipotalâmica sensação de estar no mundo.

Poema© :JoaquimESTEVES

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Canis laudem


Dizem que falo mal do mundo
Não falo bem nem mal
Digo o que o mundo é
 
Dizem que sou exigente
Não exijo nada
Quero apenas o que não existe por aqui
Amor sem sexo
Amizade sem interesses
Rostos sem máscaras
O mínimo de afeto sem taxas
E um pouco de sentido
Para todos os reféns deste absurdo inútil
 
Não acredito nas bravatas
das falsas companhias
E sei que de mim não escapo

Tenho pavor dos mistérios da vida
E não dou um centavo 
aos gigolôs da minha angústia
Assumo o preço de existir 
e pago à vista a minha conta metafísica
Tenho grave alergia a ilusões
e a mim
ninguém mais engana
com lorotas da Galiléia

Não suporto mais ter que ser medíocre
para ser reconhecido
Odeio assistir inerme ao triunfo dos idiotas
Sou vítima inocente da ganância   
Amargo os horrores da política
e o mal anda à solta

Tenho que nivelar por baixo
e fingir que me divirto  muito
na lama podre do chiqueiro 

Não tolero mais este teatro a céu aberto
Nunca consegui rir dos palhaços deste circo trágico
Conheço perfeitamente a diferença entre um sorriso e uma lágrima

Não creio na salvação dos fúteis
e desespero na superficie
porque moro feliz no abismo

Nunca  me senti em paz
com as deformidades da minha espécie
e louvo os cães 
que nunca vão embora. 

Antologia poética

Participo desta Antologia Poética que será lançada no mês de Setembro de 2016 pela Chiado Editora.

A indiferença do papel


Sempre suei livros
Sempre respirei palavras
Tenho nos olhos o sabor das tintas
Trago nos dedos o gosto do papel
O papel consente.

E de mulheres de papel
Fiz bacantes orgias
E de sonhos de papel
Fiz-me um futuro heróico
E com papel
Construí uma mansão arábica
de tesouros e quimeras
E em silêncio
O silêncio pressente.

sábado, 3 de setembro de 2016

Encontro adiado

Não gosto das mulheres que tenho
E tenho as mulheres de quem não gosto
E apesar do agosto
Aposto no oposto

Tenho um encontro marcado
à meia-noite
Com todas as mulheres
Na esquina da procura
E todas virão
Menos a minha.

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Sonho veloz


Queria nascer com alguns anos
Forte e belo 
Numa pradaria aberta e calma

Filho de um enigma bom
Sobrinho travesso de um tio cósmico
Caído sem gosma da vagina verde
de um vegetal inconsciente
Parido sem dor
no horto
do único asteróide verdejante do espaço

Livre
Livre
ao ponto de morrer
ao avistar traços
da espécie humana.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Noites cariocas

Chove torrencialmente no Rio
Brilham centelhas de coxas
No fundo do asfalto

A multidão caminha muda
A noite é um gigante

Há um lixo vagabundo
pelas ruas da cidade 

Estou torrencialmente só no Rio

Sou dos que sempre levantam o focinho
E mesmo em dias de chuva
Eu vejo os astros

Não suporto a imponência do mundo inteiro 
e menos ainda
os cacos aguçados deste quebra-cabeças.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Falso adeus

E um dia
Sob os auspícios de um sol bizarro
Entardeceu para Sempre

Nesse dia
Expulso da luz
Em exílio inédito
Pousou os seus olhinhos alegres
Na paisagem infame
De uma escuridão iníqua.

Primeiro de Maio de 2005/Médicos portugueses assassinavam o meu pai. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Rotinas insólitas

Paira sobre nossas cabeças
o rastro de uma névoa tênue e fugaz
quase tão invisível quanto o nada

Tudo é tão incerto 
quanto o não dito

O mundo faz as caretas de costume
e é feio e assustador 
como as verrugas da bruxa

Não há sentido
no fluxo desatinado 
dos que dão passos firmes
sobre as pedras regulares da civilização

Apesar das evidências que nos esmurram a cara
prosseguimos

Avançamos ensandecidos
pisando raivosamente o peito 
dos nossos cadáveres mais diletos
O chão é um tapete de dor e morte

Reconheço pelas feridas
o corpo desfigurado da minha última esperança
Arranco a espada fria
que trespassou a carne do meu amor mais robusto
Escorrem as lágrimas dos meus olhos de menino
Tenho as rugas e a palidez
Tenho o cansaço e as calças curtas
Tenhos os cabelos brancos 
e a brancura dos sonhos intactos

Estou vivo
Estou morto
Percuto o espaço
fingindo-me desinteressado
em busca de um sinal

Por instantes
Enlouqueço
E como os que já desesperaram
bebo o sumo da mais imaculada loucura
e sento-me na praça à espera de Deus
Deus é para os que já não têm mais cura 

Apesar de todos
trago nos ventrículos uma esperança genética
tão saudável quanto a minha boca
 
Paira sobre nossas cabeças
o rastro de uma névoa tênue e fugaz
quase tão invisível quanto o nada

Tudo é tão incerto 
quanto o não dito

O mundo faz as caretas de costume
e é feio e assustador 
como as verrugas da bruxa

Não há sentido
no fluxo desatinado 
dos que dão passos firmes
sobre as pedras regulares da civilização

Ofendo o céu com a ponta do meu olhar
Procuro um sinal.

Rio, Maio de 2005

Poema© :JoaquimESTEVES

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Súplica

Dois anos com você na estação
Cadê o trem?
Tantos trens já passaram
E eu já perdi o meu
E tenho que ir para algum lugar

Agora que o tempo já passou por nós
E o seu trem ainda está por chegar
E o meu está muito atrasado...

Não sei para onde você quer ir
Eu tenho menos escolhas 
e estou um pouco mais cansado
Não quis ir para Japeri
quando você nasceu
Nessa época todo mundo ia pra lá

Não sei o que faço da minha angústia
O trem não chega
Não há trens para passageiros rebeldes
e eu fui condenado pela rede ferroviária
Dizem que sou exigente
Não é verdade
Eu só não quero ir para Japeri

Nestes dois anos foi mais fácil
esperar o trem
Imagina!
Uma espera com tantos beijinhos
com tantos sorrisos
sob a mira desses teus olhinhos tão verdinhos
Imagina!
Uma estação toda cheia só com você
Eu juro que até esqueci o trem
Só quando você se cansou de esperar o seu
é que eu me lembrei do meu
Todo mundo sabe que eu sou um passageiro chato
 
Já pensei em fazer o meu próprio trem
Mas os trens já nascem prontos 
E eu não quero passar por louco

Não sei se ainda sei esperar sózinho
Enquanto o seu trem não chega...

Claro
Você pode ir para aquele outro banco
Há sempre viajantes na estação
Mas enquanto o seu trem não chega...

Amargo a vergonho e orgulho
de ter ficado pra trás
Perdi a grande farra de Japeri

Você é quem sabe
Mas...
Eu até cheguei a acreditar na vida após os trens
viu?

Então
Pra quem você quer dar a sua alegria
Dê pra mim
Fica por aqui nesta estação
Atravessei o oceano para esperar o trem aqui

Bom...
Você....
Olha
Eu apesar de ranzinza também sou muito engraçado
Posso inclusive te contar piadas de português 
Posso também te contar de novo
todas as minhas histórias tristes
Sou versátil como um robô da Chevrolet

Minha linda
Você é quem sabe
Mas enquanto o seu trem não chega...
Rio, 30 de Novembro de 1998

Poema© :JoaquimESTEVES


segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O sequestro do sol

Poema-síntese

E logo após
um arroto da sorte
de mãos atadas ao lado torto das circunstâncias
e com uma esperança espetada na alma
desabei
e caí no útero gerador dos mundos

Fazia frio
e por momentos
esqueci-me do calor 
e da minha mãe

Adormeci enrolado num cobertor
de muitas névoas
Fiquei quieto
e vivi uma das minhas muitas mortes
num canteiro
com saudades da vida

De manhã
Olhei para o céu
e substituindo o sol
admirei o cinza e a arte
nos focinhos dos criminosos
que fabricaram o meu destino

E o destino
nasceu-me de xale
e cantando fado
Nasceu-me ibérico
pequenino e feio

Pendurei-me à cauda do continente
Escorreguei mil vezes e de mil maneiras
e só não me desintegrei no chão
porque o destino
na véspera
tinha sido nomeado meu protetor

Passei pelos dias
de cabeça baixa
Escalei o cume das noites
com angústia alta

Era estranha aquela parte do mundo
Qual seria o deus que o havia feito?
Por certo
um inimigo do sol

O meu sol estava enfermo
e eu era mais um inútil invisível
para aquela gente que morava sem luz.

Portugal, janeiro de 1990 

Poema© :JoaquimESTEVES

sábado, 13 de agosto de 2016

Cyber

Nunca deixei de caminhar pelas minhas esperanças
Conheci-as todas pelo nome
Esperanças vis
Esperanças vagas
Esperanças vãs 
Esperanças boas
Esperei
Esperei com o transe frenético dos sectários 
E com os sentidos sobressaltados
dos que espiam na noite escura
Esperei
Mudei de esperança
E me cansei
E certo dia com a cara de todos os dias
Nasceu uma Cyber esperança frágil
Mais uma vítima para a minha lucidez


Hoje que ela faz cinco anos
Nas minhas caminhadas
Sigo o seu rastro 
E de lá pra cá
Nada mais é digno  de se chamar esperança.
Rio, Dezembro de 2009

Poema© :JoaquimESTEVES

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Ninho na ventania


E agora que você fez ninho no meu coração?
E agora?
Quantas manhãs foram precisas 
para tecer esse cantinho precioso
de amor e bem querer?
Quantas folhas e gravetos 
tivemos que carregar nos ombros
para dar um abrigo aos meus sentimentos?
E agora?
Agora que você fez ninho no meu coração
Quantos raios de sol foram precisos
para iluminar a estupidez do meu coração obscuro?
E quantos anos devoramos
para fazer um lugar tão insignificante e tão grandioso em nossos corações?
Um dia
o frio cortante do relento
vai te ensinar a ficar quietinha
e a usufruir estática do calor prosaico
de um ninho quase banal.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Quebra-mar

 AGRADEÇO-TE
BRASIL-BABILÔNIA
pelo
CALOR 
DEMÊNCIA

ENVIO-TE
EMOTIVAS 
e
EFUSIVAS
FLORES

GARANTO-TE
que
ainda 
HOJE
permanece
INSUBSTITUÍDO
esse
IRREVERENTE
e
INSUPERÁVEL
JANEIRO

LONGE
MORRO
na
NEVE
ORFÃO
PURITANO
PRECOCE

QUEIXO-ME
porque
te
QUERO
RIO
RIO
de 
SOL
de 
SUBLIMES
TOLICES

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Longe


Escolhi as ruas mais escuras da cidade
Olhei as folhas
E o verde traído pela escuridão

Desviei-me dos buracos de terra batida
Buscava os espectadores ideais
para a minha angústia
Queria o que não pode ver
Não queria que me vissem 

Quando cheguei ao meu destino
Doei as minhas lágrimas
Ao arvoredo silencioso e quieto
Entreguei-as à irracionalidade
da vegetação pacífica
Ofereci-as às sombras
dos que não têm tempo 
para me escutar 

Chorei na montanha
Longe
Muito longe dos homens.

sábado, 18 de junho de 2016

Domingos de sol

Seis horas da tarde
nesta remota filial do inferno

Chove 
Chove uma chuva zangada
sobre os caldeirões em brasa viva

Fui à praia
O sol bateu-me o dia inteiro

Sinto-me queimar
Ardo e me desintegro

Minha revolta é uma fogueira
que se alastra e me mata

Cada labareda é um minuto de revolta
que guardei silente e quieto
num lugar fresco e arborizado

Percebo atento
cada movimento das chamas

Observo-me crepitar e enegrecer
Neste incêndio sem bombeiros

Foi a pomba da minha alma
incendiária e impulsiva
que riscou o fósforo e me destruiu

Morro hoje infeliz
e experimento apesar de tudo
o gosto pacífico da terra molhada
pela chuva farta dos meus olhos.

Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 1999 

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Doce lar


Hoje 
Eu fiz uma fantasia
tão sinistra 
quanto uma calamidade pública
tão secreta
quanto as dores quietas
de uma cabeça sózinha
nas guerras da noite.

Quis perder tudo
para voltar à origens
Perder o dinheiro
Perder a memória
Desesperar um desespero total
tão grande e tão absoluto
onde não sobrevivesse 
o último facho de luz
de todas as minhas estúpidas esperanças

E aí
Rasgava as roupas
e livrava-me da minha importância
e do delírio
que me ensinaram a delirar
Procurava o mar 
como quem procura Deus
fanática e alucinadamente
E sem saber nadar
encontraria finalmente o nada
e um útero fresco e estéril
para esquecer e repousar 

sábado, 21 de maio de 2016

O preço da chuva

Será sempre bom
Reencontrar os meus verdadeiros caminhos
E os meus mais secretos atalhos
Poder pisá-los com os meus pés descalços
Poder enxergá-los
Com os teus olhos híbridos e volúveis
Quase verdes
Quase cinza
E quase meus.

E será sempre bom
Pairar sobre a alegria
Como uma ave de rapina
Sem garras para tanto
Sem satisfação para tão pouco.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Magnética


ÁGUA
 na 
BOCA
de
  CHOCOLATE

DENTES
ESMALTE
FRUTA 
e
GULA

HÁLITO 
IDEAL
JAZZ
 e 
LÁBIOS
MOVEDIÇOS

NOITE
de 
OUTONO
QUÍMICA
QUIMERA

RECEITA
SINUOSA

 TATO
UNIDADE

VENTANIA
XENÓFILA
de 
ZANZIBAR

sábado, 16 de abril de 2016

Possibilidades

AINDA
BENEFICIAREI
da
COLHEITA
DILUVIOSA
de
ESTRELAS

FORAM-SE
as 
GAIVOTAS
mas
ainda
IMAGENS
na 
JUNÇÃO 
da 
LUZ

MAR 
é 
NOVO 
a
OUSADIA
será
PERFEITA

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Reflexos

AGUARDO 
      à
BEIRA-MAR
      a
BENÇÃO
      da
     tua
CANÇÃO


DISPO-ME
        e
ESPERO-TE


ESPERO
     o
  doce
FLAGELO
    das
   tuas
FORMAS
porque
    tens
      a
FISIONOMIA
       do
      meu 
FUTURO

GELO
as
HORAS
INSUBMISSAS
que
me
JULGAM
preciso
LEGITIMAR
o
LÁBIO
e
o
LÍRIO-LÁBIL
da
MEIA-LUZ
que 
NASCEU
do teu
OBSÉQUIO
e
PERECERÁ
se
não
QUISERES
RESTITUIR-ME
o
SEGREDO
SIDERAL
do 
teu 
TOQUE 
(Poema em ordem alfabética)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Vestígios

AGORA
que já 
ASSASSINEI  
os 
teus
BEIJOS

COLECIONO
os CACOS
das
CARÍCIAS
que 
me
DEIXASTE

EMBRULHO 
teu 
ENCANTO
 e
ESPERO 
no
ESTIO
FLORAÇÃO
dos 
teus 
GESTOS 

Poema© :JoaquimESTEVES
 

quarta-feira, 23 de março de 2016

Definição

Sou um ser das estações
Vivo conforme os ventos da cidade
Tenho verões súbitos
e invernos ainda mais súbitos
Tenho primaveras de alguns minutos
e eternos outonos de nuvens e lutos

E o meu coração
é a amendoeira da rua
Estática nos dias de brisa leve
e despedaçada nos vendavais
de fim de tarde. 

Poema© :JoaquimESTEVES

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Espasmo

E aqui estou
Inquilino da morte
Nesta noite sem lua
Nesta ampliação do nada
Colecionando medos
E matando estes sonhos
vagabundos
Parasitas da minha angústia

Procuram-me a esta hora da noite
Estas perspectivas 
despidas de esperança
No vácuo histérico do meu tórax
Adormece uma alma doente
e poluída

Eu sei que mereço muito mais
Mas a sorte que me cuspiu 
no rosto
Só me deu letras e palavras. 


Poema© :JoaquimESTEVES

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Demissão

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo

Fiquem com as filas dos bancos
As buzinas dos carros
A estupidez dos passantes
A pressa dos perdidos
O alarido dos tontos
A violência tranquila

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo

Fiquem com a indiferença 
dos vizinhos
A ganância dos banqueiros
A podridão das almas
A loucura dos normais 
O trabalho compulsivo
A proibição do grito
O progresso inútil
A coerção dos espíritos
A multidão histérica

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo

Fiquem com a democracia
arbitrária
Os direitos feridos 
O sadismo dos burocratas 
Os crimes dos políticos
As cabeças doentes
A falta de sentido
O absurdo inchado
A injustiça feroz
As cartas marcadas
As alegrias compradas
O dinheiro psicopata
A fome dos inocentes 
E a morte dos puros

Deixo-vos tudo
Fiquem com tudo
Fiquem com esse zoológico 
de ilusões
Esse faz-de-conta viciante
Fiquem com o circo do poder
E o horror de quem manda
Fiquem com tudo
Com os clitóris amputados
Com os homens-bomba 
Com as bombas dos homens
Fiquem com a beleza que engana
E o prazer que escraviza
Com o hálito dos desesperados
E o sorriso dos falsos

Só vou sentir saudades
Do ritmo das manhãs
Da autoridade do sol
Do cheiro do café
E dos acenos da esperança.

Poema© :JoaquimESTEVES