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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

O sequestro do sol

Poema-síntese

E logo após
um arroto da sorte
de mãos atadas ao lado torto das circunstâncias
e com uma esperança espetada na alma
desabei
e caí no útero gerador dos mundos

Fazia frio
e por momentos
esqueci-me do calor 
e da minha mãe

Adormeci enrolado num cobertor
de muitas névoas
Fiquei quieto
e vivi uma das minhas muitas mortes
num canteiro
com saudades da vida

De manhã
Olhei para o céu
e substituindo o sol
admirei o cinza e a arte
nos focinhos dos criminosos
que fabricaram o meu destino

E o destino
nasceu-me de xale
e cantando fado
Nasceu-me ibérico
pequenino e feio

Pendurei-me à cauda do continente
Escorreguei mil vezes e de mil maneiras
e só não me desintegrei no chão
porque o destino
na véspera
tinha sido nomeado meu protetor

Passei pelos dias
de cabeça baixa
Escalei o cume das noites
com angústia alta

Era estranha aquela parte do mundo
Qual seria o deus que o havia feito?
Por certo
um inimigo do sol

O meu sol estava enfermo
e eu era mais um inútil invisível
para aquela gente que morava sem luz.

Portugal, janeiro de 1990 

Poema© :JoaquimESTEVES

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